quarta-feira, 13 de outubro de 2021

História do pensamento antropológico

 

 

História do pensamento antropológico

A Antropologia na sua condição de ciência e ao mesmo tempo facto que se materializa de ponto de vista temporal, agrega uma concepção histórica que mostra o evoluir das investigações neste ramo do saber, de forma objectiva, subjectiva e utilitária. Estes enfoques mostram as percepções teóricas e metodológicas dos caminhos seguidos pelos estudos antropológicos, bem como as orientações, críticas e bases defendidas por diversos precursores da Antropologia com vista a trazer o útil para o desenvolvimento desta ciência ao longo dos tempos que correm.

MELLO (2009:178) admite que os estudos de Antropologia nunca constituíram monopólio de qualquer nação ou povo. Seu desenvolvimento nunca foi regular e ininterrupto.

Portanto, existem várias divisões subjectivas que diferentes autores consideram para alinhavar o percurso histórico da antropologia, importando destacar as de Mercier (Formação, convergência, construção e critica) e Penniman (pré-história, ambições, descobertas e conquistas).

 

A curiosidade intelectual e o interesse pelo exótico (Pré–história/primórdios da Antropologia)

MATÍNEZ (2009: 93) considera que a Antropologia, como do resto todas as demais ciências não têm data exacta de nascimento. Trata-se de um processo lento, que implica acumulação e reformulação de conhecimentos.

Desta maneira alguns atribuem o surgimento da Antropologia associado ao interesse pelo exótico (conhecer os outros, considerados “estranhos”).

ERIKSEN e NIELSEN (2010:9) mostram que as pessoas sempre tiveram curiosidade sobre seus vizinhos e sobre desconhecidos mais distantes. Eles conjecturaram sobre eles, lutaram contra eles, casaram com eles e contaram histórias sobre eles.

A pré-história da Antropologia começa com a reflexão que o homem faz sobre si dentro do seu grupo social e sobre o universo com enfoque para a sua origem, a realidade e o destino, preocupação presente desde as mais antigas às modernas comunidades.

No séc. a.C. (499-480 a.C.), os trabalhos do historiador, geógrafo e considerado também pai da antropologia Heródoto, mantêm um interesse antropológico muito desenvolvido. Heródoto viajou e visitou outros povos e culturas, interessando-se especialmente pelos costumes do casamento e os modos de subsistência. Descreveu, entre outras, a sociedade egípcia, comparando-a à sociedade grega. Heródoto é considerado também o pai da história. Escreveu sobre os “bárbaros”: considerava-os inferiores aos gregos, chegando a descreve-los como figuras com um só olho e com os pés virados para atrás

Desde o ponto de vista teórico, relacionou zonas climáticas e culturais. Também Platão, Aristóteles (sobre as cidades gregas), Jenofonte (sobre a Índia) e outros se dedicaram à descrição dos costumes doutras culturas.

Entre os romanos podemos também observar uma especulação antropológica. O poeta Lucrécio  tentou descobrir as origens da religião, das artes e do discurso. Tácito (56-118d,c,) descreveu as tribos germanas, baseando-se nos relatos dos soldados e viajantes; a sua visão é compreensiva, salientando o vigor dos germanos em contraste com os romanos da sua época.

Santo Agostinho (354-430 d. C), um dos pilares teológicos da nova época, descreveu a Roma e a Grécia clássicas como “pagãs” e moralmente inferiores ás sociedades cristianizadas. A sua obra transparece uma intuição do “tabu do incesto” como norma social que garante a coesão da sociedade. No entanto, procurou, constantemente, explicações sobrenaturais para a vida sociocultural.

Do projecto colonial à crise da Antropologia

Após o período da idade média, o renascimento marca um preparo para o avanço científico em muitos ramos de saber e para Antropologia, este constitui um período em que a Europa prepara e inicia o conhecimento e exploração de outros povos. São notáveis alguns ensaios da Antropologia criticando primeiro o etnocentrismo e fazendo uma abordagem comparativa das culturas.

As grandes descobertas marítimas entre sec. XV a XVII influenciaram de certa maneira o desenvolvimento da Antropologia cultural com as descrições dos povos conhecidos nestas navegações numa perspectiva comparativa social assim como com a colectânea de diferentes objectos, utensílios, ferramentas e outros elementos que mais tarde mereceram destaque na edificação dos museus e estudos antropológicos.  São notáveis alguns nomes que desenvolveram estes marcos antropológicos. Jean Bodin (1530-1596) estudou os costumes dos povos conquistados, para explicar as dificuldades que os franceses tinham para administrar esses povos.

Outro exemplo foi o dos missionários jesuítas na América (ex.: Bartolomé de las Casas e o Padre Acosta) que escreveram as “Relaciones Jesuíticas” e elaboraram a “teoria do bom selvagem”, segundo a qual os índios tinham uma natureza moral pura que devia ser aprendida pelos ocidentais. Esta teoria idealizava, com nostalgia, uma cultura mais próxima do estado “natural”., a qual foi mais tarde bem desenvolvida Rousseau.

 

A expansão foi justificada por motivações económicas e religiosas, assim o confirma Vasco da Gama na sua primeira viagem à Índia, afirmando aos locais que vinha para arranjar “cristãos e especiarias”. A visão europeia era que estes povos não tinham lei, nem fé, nem senhor (Bestard e Contreras, 1987;  Lureiro, 1991).

No século XVI, o viageiro Marco Polo elaborou informações críticas sobre Oriente. Outro pensador social importante foi Gianbattista Vico (1668-1744) que defendeu que os humanos podiam reconhecer a sua própria história porque eram autores da mesma (compreender o passado, recreando-o imaginativamente).

Já no século XIX após uma relativa paragem no século XVIII, são desenvolvidas as diferentes correntes antropológicas em diversas escolas e diversos países que marcaram de certa forma um contributo para o surgimento da Antropologia como Ciência após aplicação axaustiva do método experimental e observação.

GONÇALVES (2002:41) mostra que dos diversos contributos teóricos para a elaboração da Antropologia no séc XX, dois mereceram destaque especial: Franz Boaz (evolucionista) e Bronislaw Malinowski (funcionalista), para além de Morgan que antes já desenvolvia estudos antropológicos.

Pode se destacar os feitos de Boaz para a formação das novas concepções da Antropologia:

•           Formado na Alemanha, como geógrafo e psicofísico, estudou geografia com Friedrich Ratzel (1844-1904) que afirmava que o meio ambiente era o factor determinante da cultura.

•           Viajou até ao Árctico e descobriu que diferentes grupos de esquimós controlavam e exploravam meios semelhantes de maneiras diferentes.

•           Chegou a formar antropólogos como Melville Herskovits, Alfred L. Kroeber (1876-1960), Robert Lowie (1883-1957), Edward Sapir (1884-1931), Margaret Mead (1901-1978), Ruth Benedict (1887-1948) e Clyde Kluckhohn (1905-1960).

•           Para Boas, a tarefa do antropólogo era investigar as tribos primitivas que careciam de história escrita, descobrir restos pré-históricos, estudar tipos humanos e a linguagem. Cada cultura teria a sua própria história. Para compreender a cultura teríamos que reconstruir a história de cada cultura.

•           Defendeu que não há culturas superiores nem inferiores (relativismo cultural). Os sistemas de valores devem compreender-se dentro do contexto de cada cultura e não de acordo com os padrões da cultura do antropólogo. • Estudou as teorias da evolução, sobre as quais se mostrou céptico, e defendeu a difusão da cultura.

•           Impulsionou a ideia de que os antropólogos deviam dominar as línguas dos povos estudados, com o objectivo de conhecer o mapa da organização básica do intelecto humano.

•           Criticou o evolucionismo e defendeu que os mesmos efeitos poderiam dever-se a diferentes causas. Também defendeu que muitas das semelhanças culturais eram originadas pela difusão, mais que pela invenção independente, e que, em muitos casos, a evolução não avança do simples para o complexo, antes o contrário (ex.: formas de arte, linguagem, etc.).

•           Esforçou-se por estudar as culturas índias dos EUA, porque estavam em risco de extinção.

•           Em vez da prática evolucionista de enquadrar dados etnográficos em categorias pré-definidas, Boas salientou a necessidade de um cuidadoso e intensivo estudo em primeira mão, livre de todo prejuízo ou preconceito. As generalizações e as leis surgiriam depois de ter os dados apropriados.

Em contraste com os difusionistas alemães, Boas defendia que a difusão não se processava, apenas, do centro para a periferia, mas em qualquer direcção, entre os diversos grupos humanos.

Desde o século XX até os nossos dias começa o período crítico em que as ideias subjectivas criadas sob bases coloniais são analisadas por diversos autores interessados pelo olhar antropológico. Portanto novas concepções aparecem no ramo da Antropologia. Destacaram-se outros estudos para além dos acima referenciados, tal é o caso de JAMES Frazer, Alfred Brown, Émile Durkheim, Claude Lévi-Strauss e outros trouxeram bases fortes à antropologia com uso de métodos experimentais e outras formas para desenvolver a nova concepção antropológica.

 

 

 

 

Referências bibliográficas

BERNARDI, Bernardo. Introdução ao estudo antropológicos, Lisboa, Edições 70, 1974.

DEMARTIS, Lúcia, compêndio de sociologia, Lisboa, Edições 70, 2002.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas, Rio de Janeiro, LTC. 1989.

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