sexta-feira, 10 de maio de 2019

John Locke VIDA OBRA Obra estado , Inferência entre estado natural e estado sócio politico , Contrato social , Quando a autoridade e legitima


John Locke (1632-1704) Igualmente inglês e contemporâneo de Hobbes, era descen-dente de urna família de burgueses comerciantes. Esteve refugiado durante algum tempo na Holanda por se ter envolvido com pessoas acusadas de atentar contra o rei Carlos II. Interessou-se também, para além dos problemas gnoseológicos, pelos pro-blemas políticos. As contribuições políticas de Locke encontram-se registadas principalmente na obra Dois Tkotados Sobre o Governo. Tal como Hobbes, Locke distingue dois estados em que o Homem terá estado: o estado de natureza e o estado contratual. Este difere do primeiro na concepção do estado de natureza. Para Locke, no estado de natureza, os homens são livres, iguais e independentes, e não um estado de guerra de todos contra todos, como concebeu Hobbes. Para Locke, no estado natural cada um é juiz em causa própria. Pela liberdade natural do Homem, ele não pode ser expulso da sua propriedade e ser submetido ao poder político de outrem sem dar o seu consen-timento. A renúncia à liberdade natural da pessoa acontece quando as pessoas concordam em juntar-se e unir-se em comunidade para viver com segurança, conforto e paz urnas com as outras.

  FIG. 15: John Locke.
Os homens unidos em comunidade devem agir baseados no que a maioria da comunidade consente. O acto da maioria considera-se acto de todos. Se o assentimento da maioria não fosse recebido como o acto de todos, nada a não ser consen-timento de cada um poderia fazer com que qualquer acto fosse de todos. Mas tal consentimento é utópico, na medida em que as várias obrigações suplementares que os membros devem cumprir afectam necessariamente muitos membros da assembleia pública. Portanto, quem abandona o estado de natureza e entra na comunidade abandona todo o poder necessário aos fins que ditaram a reunião em sociedade, à maioria da comunidade, a menos que concordem expressamente num número maior do que a maioria. E isto atinge-se através de uma união política. Assim, o que dá início e constitui qualquer sociedade política é o assentimento de qualquer número de homens livres capazes de constituírem uma maioria para se unirem e incorporarem tal sociedade. É isto que legitima qualquer governo do mundo. Desta forma, Locke surge como o defensor da propriedade privada e da democracia na época moderna. Ele estabelece a distinção entre a sociedade política e a sociedade civil, entre o público e o privado, que devem ser regidos por leis diferentes. Assim, o poder político não deve ser deter-minado pelas condições de nascimento, e o Estado não deve intervir, mas sim garantir e tutelar o livre exercício da propriedade, da palavra e da iniciativa económica.

• Tanto Hobbes como Locke acreditam que a humanidade conheceu duas fases: a do estado de natureza e o estado de contrato social. No primeiro, em geral não há obrigações entre os cidadãos (reina o «individualismo»). No estado de contrato social, existem regras de convivência social e uma direcção que orienta a sociedade.
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Texto 10
Da primeira e segunda leis naturais O direito de natureza, a que os autores geralmente chamam jus naturale, é a liberdade que cada homem possui de usar o seu próprio poder da maneira que quiser, para a preservação da sua própria natureza, ou seja, da sua vida e consequentemente para fazer tudo aquilo que o seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios adequados a esse fim. Por liberdade entende-se, conforme a significação própria da palavra, a ausência de impedimentos externos, impedimentos esses que muitas vezes retiram parte do poder que cada um tem de fazer o que quer, mas não se pode obstar a que o indivíduo use o poder que lhe resta conforme o que o seu julgamento e a razão lhe ditarem. Uma lei de natureza (lex naturalis) é um preceito ou regra geral estabelecido pela razão, mediante o qual se proíbe a um homem fazer tudo o que possa destruir a sua vida ou privá--lo dos meios necessários para a preservar ou omitir aquilo que pense poder contribuir mais eficazmente para a manter. Embora os indivíduos que têm tratado deste assunto costumem confundir jus e lex, o direito e a lei, é necessário distingui-los um do outro.

O direito consiste na liberdade de fazer ou de omitir, ao passo que a lei determina ou obriga a uma dessas duas coisas. De modo que a lei e o direito se distinguem tanto um do outro como a obrigação e a liberdade, as quais são incompatíveis quando se referem à mesma matéria. E dado que a condição do homem (conforme foi declarado no capítulo anterior) é uma condição de guerra de todos contra todos, sendo neste caso cada um governado pela sua própria razão, e não havendo nada a que possa lançar mão, que não permita servir-lhe de ajuda para a preservação da sua vida contra os seus inimigos, segue-se que, numa tal condição, todo o homem tem direito a todas as coisas, incluindo os corpos dos outros. Portanto, enquanto perdurar este direito de cada homem a todas as coisas, não poderá haver para nenhum homem (por mais forte e sábio que seja) a segurança de viver todo o tempo que geralmente a natureza permite aos homens viver. Consequentemente, é um preceito ou regra geral da razão: «Que todo o homem deve esforçar-se pela paz, na medida em que tenha esperança de a conseguir alcançar, e caso não a consiga atingir pode procurar e usar todas as ajudas e vantagens da guerra. A primeira parte desta regra encerra a lei primeira e funda-mental de natureza, isto é, procura a paz e segue-a.
A segunda encerra a suma do direito de natureza, ou seja, por todos os meios que pudermos, devemos defender-nos a nós mesmos. Desta lei fundamental de natureza, mediante a qual se ordena a todos os homens que procurem a paz, deriva esta segunda lei: «Que um homem concorde, quando outros também o façam, e na medida em que tal considere necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, ao renunciar ao seu direito a todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade que concede a si mesmo. Porque enquanto cada homem detiver o seu direito de fazer tudo o que quer, todos os homens se encontrarão numa condição de guerra. Mas se os outros homens não renunciarem ao seu direito, assim como ele próprio, nesse caso não há razão para que alguém se prive do seu, pois isso equivaleria a oferecer-se como presa (coisa a que ninguém é obrigado), e não a dispor-se para a paz. É esta a lei do Evangelho: Faz aos outros o que queres que te façam a ti. E esta é a lei de todos os homens: Quod tibi iferi non vis, alteri ne ficais.» Hobbes, Thornas, Levialã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil, tradução de Joao Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva, sl., sd. (adaptado)
Texto
Da renúncia ao contrato Renunciar ao direito a alguma coisa é o mesmo que privar-se da liberdade de negar ao outro o benefício do seu próprio direito à mesma coisa. Pois quem abandona ou renuncia ao seu direito não dá a qualquer outro homem um direito que este já não tivesse antes, porque não há nada a que um homem não tenha direito por natureza, contudo apenas se afasta do caminho do outro para que ele possa gozar do seu direito original, sem que haja obstáculos da sua parte, mas não sem que haja obstáculos da parte dos outros. De modo que a consequência para um homem da desistência de outro ao seu direito é simplesmente uma diminuição equivalente dos impedimentos ao uso do seu próprio direito original.
Abandona-se um direito simplesmente renunciando a ele ou transferindo-o para outrem, simplesmente renunciando, quando não importa a favor de quem irá redundar o respectivo benefício. Transferindo-o, quando com isso se pretende beneficiar uma determinada pessoa ou pessoas. Quando de qualquer destas maneiras alguém abandonou ou adjudicou o seu direito, diz-se que fica obrigado ou forçado a não impedir aqueles a quem esse direito foi abandonado ou adjudicado o respectivo beneficio, e que deve, e é seu dever, não tornar nulo esse seu próprio acto voluntário; e que tal impedimento é injustiça e injúria, dado que é sine jure, pois transferiu-se ou renunciou ao direito. De que maneira a injúria ou a injustiça, nas controvérsias do mundo, são de certo modo semelhantes àquilo que nas disputas das Escolas se chama absurdo? Porque tal como nestas últimas se considera absurdo contradizer aquilo que inicialmente se sustentou, também no mundo se chama injustiça e injúria desfazer voluntariamente aquilo que inicialmente se tinha voluntariamente feito.
 O modo como um homem simplesmente renuncia ou transfere o seu direito é urna declaração ou expressão, mediante um sinal ou sinais voluntários e suficientes, de que assim renuncia ou transfere, ou de que assim renunciou ou transferiu o mesmo àquele que o aceitou.

1.4 E estes são os vínculos mediante os quais os homens ficam obrigados, vínculos que não recebem a sua força da sua própria natureza (pois nada se rompe mais facilmente do que a palavra de um homem), mas o medo de alguma consequência negativa resultante da ruptura. Quando alguém transfere o seu direito, ou a ele renuncia, fá-lo em consideração a outro direito que reciprocamente lhe foi transferido, ou a qualquer outro bem que daí advém. É um acto voluntário e o objectivo de todos os actos voluntários dos homens é algum bem para si mesmos. Portanto, há alguns direitos que é impossível admitir que algum homem [...1 possa abandonar ou transferir. Em primeiro lugar, ninguém pode renunciar ao direito de resistir a quem o ataque pela força para lhe retirar a vida, dado que é impos-sível admitir que através disso vise algum benefício próprio. O mesmo pode dizer-se dos ferimentos, das cadeias e do cárcere, tanto porque desta aceitação não pode resultar benefício, ao contrário da aceitação de que outro seja ferido ou encarcerado, quanto porque é impos-sível saber, quando alguém lança mão da violência, se com ela pretende ou não provocar a morte. Por último, o motivo que levou a introduzir esta renúncia e transferência do direito não é mais do que a segurança individual de cada um quanto à sua vida e quanto aos meios

não é mais do que a segurança individual de cada um quanto à sua vida e quanto aos meios de a preservar de uma maneira tal que não acabe por se cansar dela. j...] A transferência mútua de direitos é aquilo a que se chama contrato. Hobbes, Thomas, Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil, tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva, sl., sd. (adaptado)
Texto 12
Do estado de natureza
4. Para compreender correctamente o poder político e traçar o curso da sua primeira instituição, é preciso que examinemos a condição natural dos homens, ou seja, um estado em que eles sejam absolutamente livres para decidir das suas acções, dispor dos seus bens e das suas pessoas como bem entenderem, dentro dos limites do direito natural, e sem pedir

a autorização de nenhum outro homem nem depender da sua vontade. Um estado, também de igualdade, onde a reciprocidade determina todo o poder e toda a competência, ninguém tendo mais que os outros; evidentemente, seres criados da mesma espécie e da mesma condição, que, desde o seu nascimento, desfrutam juntos de todas as vantagens comuns da natureza e do uso das mesmas faculdades, devem ainda ser iguais entre si, sem subordinação ou sujeição, a menos que o seu senhor e amo de todos, por alguma declaração manifesta da sua vontade, tivesse destacado um acima dos outros e lhe houvesse conferido sem equívoco, por uma designação evidente e clara, os direitos de um amo e de um soberano.
5. O judicioso Hooker considera esta igualdade natural dos homens como tão evidente em si mesma e fora de dúvida que fundamenta sobre ela a obrigação que têm de se amar mutuamente, sobre a qual ele baseia os deveres que uns têm para com os outros e de onde ele extrai os grandes preceitos da justiça e da caridade. Ele diz: «O mesmo convite da natu-reza levou os homens a reconhecer o seu dever, tanto no amor ao próximo quanto no amor a si mesmo, pois deve ser aplicada uma medida comum a todas as coisas iguais. Se não me posso impedir de desejar que me façam o bem, se espero mesmo que todos ajam assim para comigo na medida dos desejos mais exigentes que um homem possa formular para si mesmo, como pretenderia obter satisfação, ainda que em parte, sem buscar por meu lado tentar satisfazer rios outros o mesmo desejo, porque eles partilham sem dúvida da mesma fraqueza e da mesma natureza? Tudo o que lhes fosse oferecido desprezando este desejo forçosamente iria feri-los a eles tanto quanto a mim. Portanto, se pratico o mal, devo esperar sofrer, pois os outros não têm motivo para me dedicar um amor maior do que aquele que lhes demons-tro. O meu desejo de ser amado em toda a dimensão do possível pelos meus iguais naturais impõe-me a obrigação natural de lhes dedicar plenamente a mesma afeição. Ninguém ignora os diferentes preceitos e cânones para a direcção da vida, que a razão natural extraiu desta relação de igualdade que existe entre nós mesmos e aqueles que são como nós.» (Eccl. Pol., liv. 1)
6. Entretanto, ainda que se tratasse de um «estado de liberdade», este não é um «estado de permissividade»: o homem desfruta de uma liberdade total de dispor de si mesmo ou dos seus bens, mas não de destruir a sua própria pessoa, nem qualquer criatura que se encontre sob a sua posse, salvo se assim o exigisse um objectivo mais nobre que a sua própria conservação. O «estado de Natureza» é regido por um direito natural que se impõe a todos, e com respeito à razão, que é este direito, toda a humanidade aprende que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deve lesar o outro na sua vida, na sua saúde, na sua liberdade ou nos seu bens; todos os homens são obra de um único Criador todo-poderoso e infinitamente sábio todos servindo a um único senhor soberano, enviados ao mundo por sua ordem e ao se serviço; são, portanto, sua propriedade, daquele que os fez e que os destinou a durar segund a sua vontade e de mais ninguém. Dotados de faculdades similares, dividindo tudo num única comun idade da natureza, não se pode conceber que exista entre nós uma «hierarquia que nos autorizaria a destruir-nos uns aos outros, como se tivéssemos sido feitos para serv de instrumento às necessidades uns dos outros, da mesma maneira que as ordens inferiorE da criação são destinadas a servir de instrumento às nossas [...].

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