quarta-feira, 31 de julho de 2019

Nova Gestão Pública: Uma análise comparativa da nova gestão pública na Inglaterra e Nova Zelândia.


Nova Gestão Pública: Uma análise comparativa da nova gestão pública na Inglaterra e Nova Zelândia.
Segundo Dunleav e Hood (1995), a noção de New Public Management foi utilizada para designar um movimento abrangente de reforma na gestão da atividade governativa, iniciada nos anos 1980, que procura imprimir maior eficiência e agilidade a uma administração pública estruturada consoante os pressupostos da burocracia weberiana. E oportuno salientar que esta designação se da a posteriori, tendo sido cunhada por HOOD (1991) com o intuito de prover uma identificação genérica para um processo de mudanças no sistema de administração publica que, embora não universal, já havia se difundido por numero razoável de países no inicio dos anos 1990.
A ideia central que sustenta essa onda reformista consiste em conferir um enfoque gerencial, inspirado nos métodos de gestão dos negócios privados, a administração pública (Dunleavy e Hood, 1995; Hernes, 2005), de forma a assegurar maior responsabilidade e melhor desempenho na provisão de serviços públicos a população (Manning et al., 2009).
Entretanto, o presente trabalho tem como objectivo fazer uma análise comparativa entre a nova gestão pública da Inglaterra e da Nova Zelândia. E como estrutura tem-se na primeira parte do trabalho a parte introdutória, que abarca a contextualização, problematização, objectivos do estudo, metodologia e o quadro conceptual. Na segunda parte faz-se uma abordagem em torno das características da nova gestão pública, os principais fundamentos, bem como aborda-se a evolução da nova gestão pública na Inglaterra e Nova Zelândia e por fim temos a conclusão.
v  Analisar comparativamente a evolução do paradigma da nova gestão pública na Inglaterra e Nova Zelândia.
v  Caracterizar a nova gestão pública.
v  Descrever os principais fundamentos da nova gestão pública.
v  Avaliar comparativamente a nova gestão pública na Inglaterra e Nova Zelândia.
Método Histórico
Segundo Lakatos & Marconi (1989:80), “(…), o método histórico consiste em investigar acontecimentos, processos e instituições do passado para verificar a sua influência na sociedade de hoje, pois as instituições alcançaram sua forma actual através de alterações de suas partes componentes, ao longo do tempo, influenciadas pelo contexto cultural de cada época (…)”. Este método, nos permitiu recuar e buscar informações assentes a nova gestão pública.
Pesquisa Bibliográfica “é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no facto de permitir ao investigador a cobertura de uma vasta gama de fenómenos muito mais amplos do que aquela que poderia pesquisar directamente” (Gil, 2002: 44). Esta técnica nos permitiu fazer uma leitura crítica e interpretativa sobre os dados recolhidos do tema em estudo.
Pesquisa Documental “é toda forma de registo e sistematização de dados, informações, colocando-o em condições de análise por parte do pesquisador”. (Severino, 2007:125). Esta técnica nos permitiu fazer uma identificação, levantamento, exploração de documentos fontes do objecto pesquisado e registo das informações retiradas nessas fontes e que foram utilizadas no desenvolvimento do trabalho

Nesta parte do trabalho vai-se fazer uma análise comparativa da evolução do paradigma da nova gestão pública na Inglaterra e Nova Zelândia, onde vai-se buscar apresentar as características da nova gestão pública, descrever os principais fundamentos da nova gestão pública e por fim avaliar comparativamente a nova gestão pública na Inglaterra e Nova Zelândia.
A NGP designa um conjunto de argumentos e filosofias administrativas, propostas como novo paradigma de Administração Pública. Especialmente, como filosofia administrativa de um padrão de desenho organizacional da Administração Pública, a NGP conseguiu atingir o status de um corpo doutrinário que goza de uma ampla aceitação, enfim, “uma corrente de pensamento dominante” (Barzelay, 2001: 52).
Dunleavy e Hood (1995) lembram que a NGP “chegou a ser identificada internacionalmente com a inevitável marcha da história”, sendo “algo tão onipresente dentro do setor público que dificilmente deixa espaço para qualquer outro programa de reforma alternativo”. A NGP é o “pensamento único” sendo aplicado à Administração Pública. Isso fica claro no discurso de Bresser (2000), quando afirma que “existem três formas de administrar o Estado: a administração patrimonialista, a Administração Pública burocrática e a Administração Pública gerencial (...) que também pode ser chamada de Nova Gestão Pública (New Public Management)”.
Hood (1991) foi quem primeiro definiu a “Nova Gestão Pública”, a partir da conjunção de sete elementos: profissionalização da gestão nas organizações públicas; padrões de desempenho e medidas de avaliação com objetivos mensuráveis e claramente definidos; ênfase no controle e nos resultados; desagregação das grandes unidades do setor público; introdução da competição no setor público; uso de práticas de gestão do setor privado; ênfase na disciplina e na utilização dos recursos, cortando custos e procurando maior eficiência e economia.
Em 1998, o Conselho Latino-Americano para o Desenvolvimento – CLAD (1998:129), objetivando fazer uma adaptação da experiência da NGP nos países em países anglo-saxónicos, anunciou documento em que apresentou as características que deveriam ser observadas para a implementação da “Nova Gestão Pública” na América Latina, conforme segue:
·         Profissionalização da alta burocracia;
·         Transparência e responsabilização;
·         Descentralização na execução dos serviços públicos;
·         Desconcentração organizacional nas atividades exclusivas do Estado;
·         Controle dos resultados;
·         Novas formas de controlo;
·         Duas formas de unidades administrativas autônomas: agências que realizam atividades exclusivas de Estado e agências descentralizadas, que atuam nos serviços sociais e científicos;
·         Orientação da prestação dos serviços para o cidadão-usuário;
·         Modificar o papel da burocracia com relação à democratização do Poder público.
Segundo Júnior (2014), o exame dessas características permite identificar as falências desse modelo. A ênfase na “profissionalização da alta burocracia” denota uma visão absolutamente elitista do poder, excludente de dimensões essenciais da democracia, pois prioriza uma elite burocrática para desenvolver a capacidade de negociação e responsabilização perante o sistema político.
A NGP, defende a adopção de regimes jurídicos de funcionários públicos, desvalorizando a função pública. Com transparência e responsabilização, busca-se apenas diminuir a corrupção, não existe o objetivo de compartilhar a tomada de decisões. A participação cidadã na gestão pública não faz parte das características da NGP.
Avaliar a Administração Pública pelo cumprimento ou não de metas, utilizando mecanismos como o contrato de gestão, representa a aplicação da lógica gerencial, em que o único que conta é a dimensão econômica do serviço público, desconsiderando por completo a dimensão humana da vida em sociedade, (Ibid).
A ênfase em novas formas de controlo (controle de resultados, controle contábil de custos, controle por incentivo à concorrência a setores privados na prestação de serviços públicos, controle social e reforço do controle judicial) também expressa o alcance desejado para a democracia. O cidadão pode controlar a gestão, mas nunca compartilhá-la, (Júnior, 2014).
A criação de entes descentralizados, que atuam nos serviços sociais e científicos para o denominado “sector público não estatal” representa a privatização dos serviços públicos na área social.
O exame das características da “Nova Gestão Pública” permite conceituá-la como uma teoria de Administração Pública que adota um enfoque empresarial para a gestão, dando ênfase à redução de custos, à eficácia e à eficiência dos aparelhos de Estado e propondo a clientelização dos cidadãos, (Ibid).
A característica principal da NPM é a enfase que atribui a valores e normas económicas, sinalizando para a incorporação de princípios e mecanismos de mercado na organização e funcionamento do Estado, em sintonia com a visão do neoliberalismo (Drechsler, 2005).

A NGP é um modelo (um grupo de símbolos e regras operacionais) que possui o objetivo de estabelecer regras prescritivas destinadas a reconfigurar a Administração Pública para que a mesma esteja adequada ao Estado ultraliberal. É um modelo que pretende ser universal, independente das características singulares de cada país. Não obstante a retórica utilizada pelos ultraliberais que teorizam sobre gestão pública, este trabalho sintetiza os cinco conceitos fundamentais que conformam a “Nova Gestão Pública”:
·         A “lógica do privado” deve ser a referência a ser seguida;
·         O mercado é quem deve formular políticas públicas;
·         Os serviços públicos devem abandonar as fórmulas burocráticas para assumir a modalidade da concorrência empresarial;
·         O cidadão deve converter-se em cliente;
·         A gestão deve ser apartada da política.


a)      Privatização do “Público”
Para os defensores da “Nova Gestão Pública” a Administração Pública deve copiar modelos e práticas privadas, fazendo com que a NGP se constitua numa visão privada do “público”. No caso brasileiro, o próprio PDRAE, elaborado em 1995, demarca que “a Administração Pública gerencial inspira-se na administração de empresas” (Mare, 1995). Inspirar-se na gestão privada é um erro conceitual grave porque a gestão pública é, pelos fins e meios, absolutamente diferente da gestão privada.
A utilização do termo “público” como componente do nome de um modelo teórico que valoriza “o privado” como referência representa uma tentativa de não evidenciar a contradição insolúvel entre duas lógicas absolutamente antagônicas: a “lógica do público” deve ser determinada pela solidariedade, enquanto a “lógica do privado” é determinada pela “lógica mercantil do consumo privado” (Sojo, 2004).
A Administração Pública é caracterizada por atributos estatais, ou seja, só pode ser explicada a partir do Estado. Mesmo após essa óbvia referência, até tautológica na ótica da defesa dos atributos políticos da cidadania, parece haver a necessidade de recordar algumas premissas elementares no que diz respeito à Administração Pública: a chave na distinção da esfera da natureza entre a Administração Pública e a administração privada está na finalidade de cada uma, pois enquanto a primeira busca realizar interesses gerais, a segunda deseja satisfazer os interesses particulares (o lucro é o objetivo a ser buscado incessantemente); a Administração Pública, ao contrário da administração privada, não pode escolher os seus âmbitos de atuação; a Administração Pública possui alguns privilégios e possibilidades coercitivas que não são usuais no setor privado; o entorno da Administração Pública é bem mais complexo que qualquer organização privada; a Administração Pública está vinculada ao processo democrático, pois mesmo na limitada democracia representativa, os processos eleitorais e os mandatos decorrentes dessas variáveis que devem ser observadas; na Administração Pública a determinação dos objetivos é muito mais plural que no setor privado, o que dificulta a segmentação dos destinatários das atividades públicas; o grau de visibilidade e controle da Administração Pública é muito maior, em função da maior pressão por transparência; a Administração Pública está obrigada, diferentemente do setor privado, a respeitar princípios constitucionais e legais, o que torna a sua gestão menos flexível, (Ibid).
b)     O mercado como formulador de políticas públicas
Bresser (2001) justifica a crença no mercado de duas maneiras distintas: primeiro ao rejeitar a ideia do Estado como produtor de bens e serviços, apoiando as privatizações; e segundo, ao afirmar que atividades não exclusivas do Estado, como serviços sociais e científicos, não devem ser realizados diretamente por ele.
Entretanto, os princípios do mercado não são aplicáveis aos serviços públicos. O objetivo do lucro e a possibilidade de diferenciação de clientes, outorgando vantagens conforme seu maior ou menor consumo, são facetas que expõem claramente a distinção entre o sentido de uma e de outra atividade. A presença do mercado como formulador das políticas públicas representa um triunfo inigualável para o capitalismo.
Jordana (1995) recorda, entretanto, que as instituições públicas são identificadas por suas policy networks (redes de políticas públicas), nas quais se reproduzem diversos conflitos sociais. Ou seja, é possível identificar como os interesses de classes se convertem em políticas públicas. Quando é o mercado que formula as políticas públicas esse espaço legítimo de disputa desaparece, fazendo prevalecer exclusivamente o poder econômico.
Guerrero (2003) sustenta que a presença de elementos do mercado provoca mudanças nas funções tradicionais do setor público, tais como: gerência, privatização, esquemas de incentivo de competitividade e desregulação.
A transferência da gestão dos serviços públicos para empresas privadas (privatizações, concessões, terceirizações, etc.) faz com que o mercado passe a ser o dono da agenda pública. Esse fato pode gerar um grave problema: a captura do regulador (ente regulador de um determinado serviço público) pelo regulado (empresa privada responsável pela prestação de um determinado serviço público). O ente regulador é capturado quando passa a confundir o interesse público com os interesses do ente(s) privado(s) que é por ele regulado.
Justen (2002) aponta que a captura ocorre “quando a agência perde sua condição de autoridade comprometida com a realização do interesse coletivo e passa a produzir atos destinados a legitimar a realização dos interesses egoísticos de um, alguns ou todos os segmentos empresariais regulados”.
c)      Concorrência empresarial
A Administração Pública deve ser redesenhada, seguindo o modelo das empresas privadas, com uma configuração que privilegia a redução dos custos e o aumento das tarifas públicas, buscando aumentar o lucro e desconsiderando o interesse público, tal como prevalecia nas concepções ideológicas em vigor até os anos 1980.
Bresser (2001) constrói o conceito de “concorrência administrada” para justificar as contratações externas ou terceirização.
d)     Orientação ao cliente
Para a NGP, a noção de cidadania é substituída pela utilização de termos como cliente, consumidor ou usuário, que são usados de modo quase intercambiável. A NGP busca fragmentar e fragilizar o único conceito legítimo na relação do indivíduo com o Estado: o de cidadão. Esta discussão não é uma discussão semântica. É um debate necessário que pretende demonstrar que usar qualquer termo diverso de cidadão é uma opção ideológica que objetiva dar um caráter apolítico à teoria da Administração Pública. É uma opção que nega que o Estado fundamenta a sua legitimidade na autoridade da sua universalidade, (Júnior, 2014).
A denominação “cliente” atribui à prestação do serviço público um carácter comercial. É como se o serviço prestado deixasse de ser público, tornando-se uma atividade econômica própria da iniciativa privada. Denominar a um cidadão de “cliente” é o mesmo que tornar a prestação do serviço público uma relação privada entre o prestador e o receptor. Por exemplo, sob essa ótica o ensino público de ensino fundamental é apenas uma relação existente entre uma escola pública e um aluno ou seus pais, desconsiderando o restante da sociedade. O conceito de cliente não contempla o interesse público, (Ibid).
González (1999: 99), afirma que o equívoco de considerar o cidadão um cliente é uma “visão derivada das concepções privatistas e economicistas da administração, dado que na relação cliente-empresa o que se busca privilegiar é o benefício da empresa, quando na relação pública o que legitima tanto o acionar como a existência mesma do Estado é o bem-estar dos cidadãos”.
Para Brugué, Amorós & Gomà (1994), os clientes do setor privado desfrutam de um poder de eleição que não tem equivalente no âmbito público. As instituições públicas descansam sobre uns fundamentos que condicionam suas relações com os administrados: seus serviços não são para satisfazer unicamente demandas individuais, mas, sobretudo, interesses coletivos.
Já o termo consumidor decorre de uma visão economicista. Se as atividades econômicas são a produção, a distribuição, a circulação e o consumo, vê-se o cidadão como exercendo a última dessas atividades, ou seja, o consumo. Rosenmann (2003: 77) afirma que substituir cidadão por consumidor é “resultado de uma ordem política e social estabelecida para defender a propriedade privada e a liberdade individual, não para gerar um projeto de desenvolvimento econômico”.
Finalmente, o conceito de usuário também não parece o mais adequado, pois o Estado deve ser responsável pela prestação universal a todos os cidadãos, independentemente da sua condição de usuário ou não.
Segundo Vasconcelos (2000), os cidadãos podem ser ou não usuários de serviços públicos específicos, mas são parte de toda uma comunidade e, portanto, contribuem e recebem benefícios da Administração Pública. Os cidadãos são também portadores de direitos e deveres e, ao contrário dos clientes do setor privado, frequentemente não podem escolher um serviço alternativo, caso estejam insatisfeitos com o serviço prestado pelo setor público. Assim, funcionários públicos não atendem somente aos usuários diretos, mas preservam os direitos de todos os cidadãos. Isso significa que eles equilibram os objetivos potencialmente conflituosos de satisfação dos usuários com a proteção dos interesses de toda a comunidade ou cidadãos de um país. Essa é a principal razão por que fornecer serviço de alta qualidade no setor público é muito mais difícil do que no mercado.
Cidadão inclui-se em uma categoria jurídica específica, pois o Estado permanece sempre com a responsabilidade pela adequada prestação de serviço público, mesmo que a atividade tenha sido delegada a um ente privado. A par das referências reducionistas, a expressão cidadão é a que melhor conforma o sentido sobre quem é o destinatário dos serviços públicos; é a que dá conta das especificidades do serviço público, que tem que contemplar o interesse público e os aspectos democráticos.
Para Guerrero (1997b) “uma das características principais da vida cívica, é que o cidadão toma consciência de si mesmo como tal, mais que como cliente e consumidor do mercado econômico”.
Richards (1994) sustenta a relevância da cidadania, a partir da relação existente, pela via do voto e do mandato, entre o cidadão e o seu representante eleito no processo da democracia representativa: os políticos e aqueles técnicos que trabalham junto a eles baseiam-se no mandato eleitoral recebido dos cidadãos. Sejam quais forem as imperfeições do processo democrático, as eleições proporcionam o direito a tomar decisões em nome da comunidade.
Entre a Administração Pública e a cidadania não há contrato comercial, mas sim um contrato social e político. Transformar o cidadão em cliente é o mesmo que transformar a Administração Pública numa grande empresa privada, desconsiderando que “a cidadania não está fundada numa relação contratual” (Karol, 2003), mas sim numa relação com uma comunidade global e socialmente cidadã, o que dá direito a um conjunto básico de serviços públicos, independentemente da capacidade financeira.
e)      A Administração Pública deve ser apartada da política
Segundo Júnior (2014), o campo da Administração Pública, como qualquer outro campo, é um campo de poder, que se concretiza pela ação estatal. Por isso, é impossível entender que a Administração Pública seja dividida em funções administrativas e políticas, tocando as primeiras aos funcionários e as últimas aos políticos e aos gestores. Toda e qualquer atividade administrativa é uma atividade política. Não há atividade administrativa exclusivamente técnica.
Entretanto, não é este o pensamento predominante entre os defensores da “Nova Gestão Pública”, conforme recorda Cunill (2004). Influenciados por princípios exclusivamente econômicos e gerenciais, os teóricos da NGP afirmam que o caráter político do Estado dificulta a tomada de decisões “eficientes” e “tecnicamente corretas”.
Esse argumento é meramente retórico. Os ultraliberais bem sabem que “estabelecer uma separação radical entre a técnica por um lado e a política por outro, como se as decisões coletivas pudessem ser reduzidas a um problema ao que, com a informação adequada, seja possível encontrar a ‘melhor’ solução” (Garnier, 2004), é uma premissa equivocada. Há múltiplas situações em que não há como escolher uma “melhor solução” para todos. Nesses casos, apenas a política possui legitimidade para decidir.
A Administração Pública é o ente que vincula o Estado com a sociedade. Cada funcionário público representa o “rosto” do Estado frente a cada cidadão. A NGP, ao contrário de incentivar o aperfeiçoamento dessa relação, buscando integrar o cidadão à gestão pública, prefere afastá-lo, criando uma falsa dicotomia entre a Administração Pública e a política.
“Nova Gestão Pública” corresponde à versão em inglês New Public Management (NPM) ou à versão em espanhol Nueva Gestión Pública ou Nueva Gerencia Pública (NGP) ou Nuevo Manejo Público (NMP).
Michel Messenet, em sua obra La Nouvelle Gestion Publique: pour un Etat sans Burocratie, obra publicada em 1975, foi quem primeiro cunhou a expressão “Nova Gestão Pública”, ao criticar a Administração Pública burocrática. Entretanto, o seu texto fundador é o artigo “A public management for all seasons?”, escrito por Christopher Hood e publicado em 1991.
A NGP emergiu inicialmente em países anglo-saxônicos13, a partir do início dos anos 1980, tais como: Estados Unidos, Inglaterra, Austrália e Nova Zelândia (Shepherd & Valencia, 1996; Barzelay, 2001; Ramió, 2001: 77).
Neste sentido, vamos abordar acerca da evolução da nova gestão pública na Inglaterra e na nova Zelândia.
Segundo Camargo (2002), no Reino Unido a reforma administrativa não é fruto de iniciativa estratégica. Possuindo origem exclusivamente política, decorreu de forte intenção de promover a melhoria do serviço público, bem assim de diversas lutas contra a incompetência, a ineficiência e a burocracia governamental ao longo dos últimos 100 anos.
Os objetivos principais da reforma foram:
·         Melhorar o funcionamento do governo;
·         Aumentar a eficiência;
·         Reduzir custos e o tamanho do setor público;
·         Eliminar o empreguismo e a corrupção;
Por sua vez, as iniciativas marcantes das reformas foram:
·         Deixar clara a responsabilidade, a autoridade e a importância de delegar decisões ao nível mais efetivo.
·         Introduzir sistemas de informação gerencial, propiciando o conhecimento do quanto era gasto, no que e por quem, em cada departamento do Estado, com alto grau de detalhamento. Implantação de sistemas de orçamentos por delegação em todos os ministérios, sempre com grande ênfase no gerenciamento de informações. De 1979 a 1986 presenciou-se o desenvolvimento e fortalecimento desses mecanismos de revisão do trabalho dos ministérios, os quais propiciaram um controle significativamente maior sobre os gastos e sobre as melhores formas de empregar o dinheiro público.
·         Implementar alterações substanciais na estrutura do serviço público, separando as unidades operacionais dos centros formuladores de políticas dos ministérios. A terceirização também ganhou impulso. Nos anos 80 era direcionada a pequenas áreas, como pessoal de segurança, mensageiros, serviços de limpeza. Mediante licitações, empresas foram contratadas para prestação de serviços especializados, concretizando terceirização inclusive na esfera do governo central, com serviços públicos mais eficientes a menor custo.
·         Identificar de forma detalhada o alcance de resultados, que passou a ser o alvo das metas financeiras, mais voltadas, portanto, a outputs do que a imputs. Os serviços públicos passaram a sujeitar-se a metas de serviço detalhadas, monitoradas e divulgadas publicamente.
Definindo-se os objectivos e resultados esperados, a par do acesso a informações seguras, a administração passou a ser mais eficiente. A maior publicidade dada à atividade do Estado reduziu oportunidades de corrupção. Houve grande mudança de mentalidade dos cidadãos e do funcionalismo. Passou a existir ampla delegação de poderes para recrutar, treinar, promover e despedir pessoal das agências e dos ministérios.
A influência das agências executivas e a redução dos quadros do serviço público (cerca de três quartos dos servidores públicos estão trabalhando nas 108 agências executivas) encorajaram uma crescente delegação de responsabilidades e políticas das organizações centrais, alterando sensivelmente os padrões do serviço público prestado.
De acordo com Paula (2005), o modelo inglês foi a principal referência concreta da NGP. Na Inglaterra, com a vitória de Margaret Thatcher, em 1979, e a consequente hegemonia obtida pelo Partido Conservador até 1997, foram estabelecidas reformas que tiveram as seguintes características:
·         Descentralização do aparelho de Estado, que separou as actividades de planeamento e execução do governo e transformou as políticas públicas em monopólio dos ministérios;
·         Privatização das estatais;
·         Terceirização dos serviços públicos;
·         Regulação estatal das actividades públicas conduzidas pelo sector privado;
·         Uso de idéias e ferramentas gerenciais advindas do sector privado.

2.3.1. Nova Gestão Pública na Nova Zelândia

As reformas administrativas introduzidas no período de 1984 a 1994 na Nova Zelândia, que transportaram as actividades comerciais do campo institucional para empresas estatais, mais tarde privatizadas, ficaram conhecidas pela agressividade e rapidez com que foram implantadas, propiciando ao país passar do pior desempenho dentre os integrantes da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico –, para a condição de uma das economias com crescimento mais acelerado, apresentando uma das maiores taxas de geração de empregos, (Camargo, 2002).
A peça-chave dessa mudança foi a Introdução de profunda reforma do Estado na Nova Zelândia. O Estado mantinha uma presença extensiva na economia, prestando serviços sociais, executando numerosas funções econômicas, regulamentando o setor privado e traçando políticas. Os sistemas eram extremamente burocráticos e centralizadíssimos. Desejava-se uma economia mais produtiva e internacionalmente competitiva e, para isso, percebeu-se que eram necessárias profundas reformas no modus operandi do Estado.
Os objetivos da reforma foram, principalmente:
·         Melhorar a relação custo/eficiência na produção de bens e serviços pelo setor público;
·         Melhorar a qualidade desses bens e serviços;
·         Tornar a atuação do setor público como provedor de bens e serviços mais sensível às necessidades dos consumidores;
·         Dar aos representantes eleitos maior controle sobre a utilização do dinheiro dos contribuintes;
·          Aumentar a transparência do setor público;
·         Restringir os gastos públicos em geral, dentro dos limites de uma administração fiscal responsável.
Os princípios-chave da reforma foram:
·         Controle estratégico: o excesso de controlo baseado em regras, na maioria das vezes, acaba por impedir o cumprimento dos objetivos estratégicos buscados pelos ministros. Estes precisam ser capazes de exercer “controlo” no sentido estratégico.
·         Objetivos claros: os administradores não devem encontrar uma infinidade de objetivos conflitantes ou administrar organizações sem nenhum senso de sua missão.
·         Descentralização: estruturas por demais centralizadas dificultam inovações, impedem os administradores de administrar e impõem pesados níveis de burocracia.
·         Accountability: conceito importante que não tem tradução no português e que remete à ideia de obrigação que tem o administrador de prestar contar e, portanto, ser passível de responsabilização efetiva. Envolve especificação antecipada de níveis de desempenho, liberdade administrativa para buscar resultados e sanções por falhas, bem como autoridade para determinar como os recursos serão empregados para produzir os resultados desejados.
·         Competição: o monopólio reduz a eficiência do setor público. Assim, os serviços prestados pelas agências públicas e atividades comerciais do Estado não devem ser protegidos da competição.
·         Pressuposto do setor privado: o setor privado revelou-se mais eficiente que o Estado na produção de bens e serviços. Portanto, apenas em face de razão muito forte o Estado deve promovê-la.
Foram separadas as atividades comerciais do Estado das não-comerciais, criando-se a divisão entre “NÚCLEO DO SETOR ESTATAL” e “EMPRESAS DE ATIVIDADES COMERCIAIS DO ESTADO”. Em relação ao primeiro, o enfoque que anteriormente estava nos insumos (inputs), passou para os resultados, ou seja, os bens e serviços produzidos pelo núcleo do setor estatal (outputs). Foram abolidos o emprego vitalício e sistemas de remuneração nos quais pagamento e posição não reflitam o desempenho. Todos os actos passaram a ser avaliados com base no desempenho e resultados, (Camargo, 2002).
No tocante às “empresas de actividades comerciais do Estado”, as atividades comerciais foram retiradas do campo institucional dos departamentos e reconstituídas como empresas estatais, com obrigações de gerar lucros, serem eficientes, bons empregadores e, ainda, agirem de maneira socialmente responsável, pagando impostos e dividendos ao governo. Foram eliminados todos os subsídios e proteções contra a concorrência.
Posteriormente, as estatais foram privatizadas, com o claro objetivo de maximizar o valor de cada venda para o contribuinte. Essa privatização ocorreu com enfoque na transparência e integridade, a fim de garantir confiança ao processo, (Ibid).
Ferlie et al (1999) afirmam que a Nova Zelândia pode ser vista “como um caso extremo de país que se transformou rapidamente, embora neste caso as idéias relativas à Nova Administração Pública tenham sido encampadas por um governo trabalhista”, a partir de 1984.
Já para Paula (2005) as principais mudanças no aparelho estatal da Nova Zelândia foram:
·         A transferência de actividades de caráter comercial para a iniciativa privada;
·         A descentralização das actividades do governo central, que conferiu maior autonomia aos burocratas públicos; e
·         A negociação de contratos de trabalho no sector público com base nos parâmetros da iniciativa privada.






Depois de feita a analise sobre a nova gestão pública na Inglaterra e na Nova Zelândia, foi possível chegar a conclusão de que a nova gestão pública apresenta como característica principal a enfase que atribui a valores e normas económicas, sinalizando para a incorporação de princípios e mecanismos de mercado na organização e funcionamento do Estado, em sintonia com a visão do neoliberalismo. Os principais fundamentos desta são a logica do privado, o mercado é que deve formular políticas públicas, os serviços públicos devem abandonar as fórmulas burocráticas para assumir a modalidade da concorrência empresarial, o cidadão deve converter-se em cliente e que a gestão deve ser apartada da política. Por fim, foi possível concluir que na Inglaterra as reformas da administração pública para a nova gestão pública foi caracterizada pela descentralização do aparelho do Estado, privatização das estatais, terceirização dos serviços públicos, regulação estatal das actividades públicas conduzidas pelo sector privado e o uso de ideais e ferramentas gerenciais advindas do sector privado, enquanto na Nova Zelândia essa apresentou como características a transferência de actividades de caráter comercial para a iniciativa privada, a descentralização das actividades do governo central e a negociação de trabalho no sector público com base nos parâmetros da iniciativa privada. Assim, percebe-se que as reformas foram mas abrangente na Inglaterra do que na Nova Zelândia.









Referências Bibliográficas

·         BARZELAY, Michael (2001) La nueva gerencia pública. Un ensayo bibliográfico para estudiosos latinoamericanos (y otros). In: Reforma y Democracia (Revista do CLAD), Caracas, n° 19, Fevereiro.
·         BRESSER Pereira, Luiz Carlos (2001) Do Estado patrimonial ao gerencial. In: PINHEIRO, Paulo; WILHEIM, Jorge; SACHS, Ignacy (Organizadores). Brasil: um século de transformações. Cia das Letras; São Paulo.
·         BRESSER Pereira, Luiz Carlos. (2002a) Reforma da nova gestão pública: agora na agenda da América Latina, no entanto... In: Revista do Serviço Público: Brasília.
·         BRESSER Pereira, Luiz Carlos. (2002b) Uma resposta estratégica aos desafios do capitalismo global e da democracia. In: BRASIL. Ministério do Planeamento, Orçamento e Gestão. Balanço da reforma do Estado no Brasil: a nova gestão pública. Brasília.
·         BRUGUÉ, Quim; AMORÓS, Moisès; GOMÀ, Ricard. (1994) La Administración Pública y sus clientes: ¿moda organizativa u opción ideológica? In: Gestión y Análisis de Políticas Públicas: Madri.
·         CAMARGO, Angélica Maria Juste (2002), Por um novo Serviço Público. Rev.TRT – 9a R. Curitiba.
·         CENTRO LATINO-AMERICANO DE ADMINISTRAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO – CLAD. (1999), Uma nova gestão pública para a América Latina. In: Revista do Serviço Público: Brasília.
·         CUNILL GRAU, Nuria. (2004), La democratización de la Administración Pública. Los mitos a vencer. In: Política y gestión pública. Fondo de Cultura Económica / CLAD. Buenos Aires.
·         CHRISTENSEN, T.; LAEGREID, P. (2002), New Public Management: puzzles of democracy and the influence of citizens. The Journal of Political Philosophy.
·         DUNLEAVY, Patrick e HOOD, Christopher. (1995) De la Administración Pública tradicional a la nueva gestión pública. Ensayo sobre la experiencia modernizadora de diversos países desarrollados. In: Gestión y Análisis de Políticas Públicas: Madri.
·         FERLIE, Ewan; ASBURNER, Lynn; FITZGERALD, Louise; PETTIGREW, Andrew. (1999), A Nova Administração Pública em ação. Brasília: UnB e ENAP.
·         GARNIER, Leonardo. (2004), El espacio de la política en la gestión pública. In: Política y gestión pública. Fondo de Cultura Económica / CLAD: Buenos Aires.
·         GIL, A. (2002), Como elaborar projecto de pesquisa.4ª Edição. Atlas Editora: São Paulo
·         GONZÁLEZ, Juan Antonio. (1999), La ciencia de la administración pública y la ciencia política en Iberoamérica: una discusión sobre la pertinencia. In: Revista Tecnología Administrativa, Medellín.
·         GUERRERO, Omar. (1997a), Clásicos de la teoría de la Administración Pública. In: Revista Venezolana de Gerencia: Maracaibo.
·         GUERRERO, Omar. (2003), Nueva gerencia pública: ¿gobierno sin política? In: Revista Venezolana de Gerencia: Maracaibo.
·         GUERRERO, Omar. (1997b) Principios de Administración Pública. Escuela Superior de Administración Pública – ESAP: Santa Fe de Bogotá.
·         HERNES, T. (2005), Four ideal-types organizational responses to the New Public Management reforms and some consequences. International Review of Administrative Sciences.
·         HOOD, Christopher. (1991), Public management for all seasons? In: Public Administration: Londres.
·         JORDANA, Jacint. (1995), El análisis de los policy networks: ¿una nueva perspectiva sobre la relación entre políticas públicas y Estado? In: Gestión y Análisis de Políticas Públicas: Madri.
·         JUSTEN FILHO, Marçal. (2002) O direito das agências reguladoras independentes. Dialética: São Paulo.
·         JÚNIOR, Aragon Érico Dasso (2014), Nova Gestão Pública (NGP): Teoria de Administração Publica do Estado Ultraliberal. Disponivel em: http//:www.publicadireito.com.br/artigos/. Acesso em 10 de Outubro de 2017.
·         KAROL, Jorge L. (2003), Cliente mata ciudadano. Reflexiones en torno a la noción de ciudadanía urbana en regulación de servicios públicos domiciliarios. In: Política y gestión, Rosario.
·         LAKATOS, E.M. & MARCONI, M.A. (1989), Metodologia Científica. Ciência e Conhecimento Cientifico, Métodos Científicos, Teoria, Hipóteses e Variáveis. 1ª Edição, Editora Atlas S.A: São Paulo.
·         MARTINS, Manuel Henrique (2005), O que é gestão pública e administração pública. Disponível em: gestãopublica.net/blog/o-que-e-gestao-publica. Acessado no dia 7 de Outubro de 2017.
·         MANNING, N. et al. (2009) Reformas de Gestao Publica: o que a America Latina tem a aprender com a OCDE? In: MEDEIROS, P. C.; LEVY, E. (Orgs.). Novos caminhos da gestao publica: olhares e dilemas. Rio de Janeiro: Qualitymark; DF: CONSAD: Brasilia.
·         PAULA, Ana Paula Paes de. (2005), Por uma nova gestão pública: limites e potencialidades da experiência contemporânea. Editora FGV: Rio de Janeiro.
·         PERES, Úrsula Dias (s/d), Conceitos gerais de gestão pública. Ciclo Formativo CPOP – EACH/USP.
·         RAMIÓ MATAS, Carles. (2001) Los problemas de la implantación de nueva gestión pública em las administraciones públicas latinas: modelo de Estado y cultura institucional. In: Reforma y Democracia (Revista do CLAD), Caracas.
·         RICHARDS, Sue. (1994) El paradigma del cliente en la gestión pública. In: Gestión y Análisis de Políticas Públicas: Madri.
·         ROSENMANN, Marcos Roitman. (2003), Las razones de la democracia. 3ª Edição. Editorial Sequitur: Madri.
·         SEVERINO, A.J. (2007), Metodologia do trabalho Cientifico.23ª Edição. Cortez Editora: São Paulo.
·         SHEPERD, Geoffrey e VALENCIA, Sofia. (1996), Modernizando a administração pública na América Latina: problemas comuns sem soluções fáceis. In: Revista do Serviço Público: Brasília.
·         SOJO, Carlos. (2004), El final de la política pública. Apresentado no IX Congresso Internacional do CLAD sobre a Reforma do Estado e a Administração Pública (Painel 117: La dimensión política de las políticas públicas): Madri.
·         TEIXEIRA, S. (2005) Gestão das Organizações. 2ª Edição. Mc Graw Hill: Lisboa.
·         VASCONCELOS Coutinho, Marcelo James. (2000), Administração pública voltada para o cidadão: quadro teórico-conceitual. In: Revista do Serviço Público: Brasília.


Índice



0 comentários:

Enviar um comentário